Por Daiane Santiago
A presença de uma “garota
do tempo” negra no Jornal Nacional, noticiário da Rede Globo, tem
causado agitação na imprensa e nas redes sociais. Mas o que poderia ser
isso se não um sintoma da pífia participação dessa população nos
telejornais brasileiros? Embora existam negros ocupando posições na TV,
Maria Júlia Coutinho é representativa, visto que faz parte de um grupo
social que tem alcançado posições nas quais, historicamente, não teve
vez. Sinaliza que estão acontecendo algumas mudanças na sociedade
brasileira, ainda que de forma muito incipiente, no que concerne a
colocação do negro profissionalmente.
Maju estreou como moça do
tempo em abril, mas engana-se quem pensa que a sua carreira começou
esse ano. Desde 2007 na TV Globo, a jornalista, até então, havia passado
despercebida. Após entrar em uma arena, que não só no Brasil, mas ao
redor do mundo, é muito tradicional, virou notícia. Hoje basta colocar o
nome dela no Google, que virá uma enxurrada de referências à
jornalista. Matérias que vão desde curiosidades sobre a moça até a
discussão sobre a representatividade dos negros no jornalismo brasileiro
e casos de racismo.
Historicamente, a relação
do negro com a imprensa se deu de uma forma muito controversa. Houve
uma relação em que os jornais davam espaço para o anúncio de negros
fugidos. História que foi eternizada na obra de Gilberto Freyre, “O
Escravo nos Anúncios de Jornais Brasileiros do Século XIX”, e passou
para a representação do negro neste século, que ainda perpassa por
muitos estereótipos negativos e estigmatizados. Atualmente, tal prática
não é aceita de acordo com o Código de Ética do Jornalista Brasileiro.
Capítulo II – Dos deveres dos meios de comunicação
Art. 3º Não
fazer referências discriminatórias sobre raça, religião, sexo,
preferências sexuais, doenças mentais, convicções políticas e condições
sociais.
Essa agitação também pode
ter explicações estatísticas. No cenário contemporâneo, o que está em
pauta não é mais o escravo fugido, nem anúncios de compra e venda, mas
sim a inserção legal desse negro liberto dentro da vida social e
econômica da sociedade. O mesmo que, por sua vez, tem pouquíssima
representatividade dentro da imprensa brasileira. De acordo com pesquisa
realizada em 2012, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, o
jornalismo brasileiro é majoritariamente representado por pessoas que se
autodeclaram brancas, somando 78%. Esse número entre negros cai para
5%.
A presença do negro
nesses espaços tem marcado uma embrionária mudança e uma possível
chegada de novos tempos. Está claro que a busca não se esgota, e que
ainda existe um logo caminho a trilhar. Karan (2014) entende a reflexão
ética no jornalismo como uma projeção para o futuro. “É possível
construir um campo de conhecimento fundamental para a humanidade no qual
a inscrição da ética seja central para que o futuro não se torne apenas
um conformado refém do passado”, sinaliza.
Portanto, mais de um
século após a abolição da escravatura, não se espera que seja sempre
essa representação icônica por parte de alguns negros, como Abdias do
Nascimento, Glória Maria, Tim Lopes, entre outros, que se destacam na
imprensa. Mas sim uma presença quantitativa, palpável, que seja
naturalmente representativa da população negra.
Destacam-se duas questões
distintas que se relacionam: a representatividade do negro na imprensa e
a presença do negro enquanto profissional desta área. Maju veio como um
sopro de ar fresco, que inspira outras profissionais, não só no
jornalismo. Mas, nessa perspectiva, o que se espera mesmo é que um dia o
negro em cargos historicamente demarcados por questões raciais,
culturais e econômicas não seja tão raro a ponto de ser alçado ao status
de notícia.