sexta-feira, 14 de agosto de 2015

Por que Maju é notícia?

Por Daiane Santiago

A presença de uma “garota do tempo” negra no Jornal Nacional, noticiário da Rede Globo, tem causado agitação na imprensa e nas redes sociais. Mas o que poderia ser isso se não um sintoma da pífia participação dessa população nos telejornais brasileiros? Embora existam negros ocupando posições na TV, Maria Júlia Coutinho é representativa, visto que faz parte de um grupo social que tem alcançado posições nas quais, historicamente, não teve vez. Sinaliza que estão acontecendo algumas mudanças na sociedade brasileira, ainda que de forma muito incipiente, no que concerne a colocação do negro profissionalmente.

Maju estreou como moça do tempo em abril, mas engana-se quem pensa que a sua carreira começou esse ano. Desde 2007 na TV Globo, a jornalista, até então, havia passado despercebida. Após entrar em uma arena, que não só no Brasil, mas ao redor do mundo, é muito tradicional, virou notícia. Hoje basta colocar o nome dela no Google, que virá uma enxurrada de referências à jornalista. Matérias que vão desde curiosidades sobre a moça até a discussão sobre a representatividade dos negros no jornalismo brasileiro e casos de racismo.

Historicamente, a relação do negro com a imprensa se deu de uma forma muito controversa. Houve uma relação em que os jornais davam espaço para o anúncio de negros fugidos. História que foi eternizada na obra de Gilberto Freyre, “O Escravo nos Anúncios de Jornais Brasileiros do Século XIX”, e passou para a representação do negro neste século, que ainda perpassa por muitos estereótipos negativos e estigmatizados. Atualmente, tal prática não é aceita de acordo com o Código de Ética do Jornalista Brasileiro.
Capítulo II – Dos deveres dos meios de comunicação
Art. 3º Não fazer referências discriminatórias sobre raça, religião, sexo, preferências sexuais, doenças mentais, convicções políticas e condições sociais.
Essa agitação também pode ter explicações estatísticas. No cenário contemporâneo, o que está em pauta não é mais o escravo fugido, nem anúncios de compra e venda, mas sim a inserção legal desse negro liberto dentro da vida social e econômica da sociedade. O mesmo que, por sua vez, tem pouquíssima representatividade dentro da imprensa brasileira. De acordo com pesquisa realizada em 2012, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, o jornalismo brasileiro é majoritariamente representado por pessoas que se autodeclaram brancas, somando 78%. Esse número entre negros cai para 5%.

A presença do negro nesses espaços tem marcado uma embrionária mudança e uma possível chegada de novos tempos. Está claro que a busca não se esgota, e que ainda existe um logo caminho a trilhar. Karan (2014) entende a reflexão ética no jornalismo como uma projeção para o futuro. “É possível construir um campo de conhecimento fundamental para a humanidade no qual a inscrição da ética seja central para que o futuro não se torne apenas um conformado refém do passado”, sinaliza.

Portanto, mais de um século após a abolição da escravatura, não se espera que seja sempre essa representação icônica por parte de alguns negros, como Abdias do Nascimento, Glória Maria, Tim Lopes, entre outros, que se destacam na imprensa. Mas sim uma presença quantitativa, palpável, que seja naturalmente representativa da população negra.

Destacam-se duas questões distintas que se relacionam: a representatividade do negro na imprensa e a presença do negro enquanto profissional desta área. Maju veio como um sopro de ar fresco, que inspira outras profissionais, não só no jornalismo. Mas, nessa perspectiva, o que se espera mesmo é que um dia o negro em cargos historicamente demarcados por questões raciais, culturais e econômicas não seja tão raro a ponto de ser alçado ao status de notícia.